“Dosis sola facit venenum.” Paracelsus, 1538

sexta-feira, 29 de abril de 2011

A sexualidade

Ainda que existam na natureza, nalgumas espécies, casos de reprodução assexuada (extremamente raros nos animais, um pouco mais vulgares nas plantas), a generalidade das espécies, desde os insectos aos animais, desenvolveu um instinto sexual extremamente forte, que envolve comportamentos que “consomem” tempo e enormes quantidades de energia. Tal instinto, só parece justificar-se por permitir o fundamento da vida – a continuação da espécie.

Em seres biologicamente inferiores, como os insectos, os peixes ou os répteis, o instinto sexual resume-se ao acto, em si. Mas à medida que percorremos as espécies, rumo às superiores, observamos um instinto sexual mais abrangente, que se vai iniciando muito antes e não se esgota na prática pura e simples do acto sexual, com a criação de relações/laços cada vez mais fortes entre os parceiros sexuais. O Homem, enquanto espécie superior (dispõe do mais evoluído sistema nervoso, o que faz dele o mais capaz de se adaptar a um determinado meio e simultaneamente, o mais capaz de alterar esse meio de acordo com as suas necessidades), não podia deixar de deter o mais complexo instinto sexual, estabelecendo as mais fortes relações afectivas com o seu parceiro.

E para que servem estes laços? Nas espécies inferiores, além de o instinto sexual se resumir à prática do acto, como referi acima, também os cuidados com os filhos (regra geral) cessam no momento do nascimento destes (tendo eles que se desenrascarem por si próprios desde o primeiro momento pós-natal), mas nas espécies superiores, pelo menos um dos progenitores (normalmente a fêmea) cuida e protege os filhotes durante os primeiros tempos de vida. Nas espécies de topo, ambos os progenitores reservam para si o direito de cuidar dos filhos, estendendo-o (regra geral) tanto mais no tempo, quanto mais evoluída é a espécie, pois as crias carecem de cuidados mais complexos. Estes laços, criados através de um evoluído instinto sexual, servem, portanto, para uma escolha criteriosa do parceiro e para fortalecerem a relação que, do ponto de vista da evolução da espécie, se deseja o mais duradoura possível.

Nas últimas décadas, por um lado devido a alguns métodos de contracepção e por outro devido às técnicas de reprodução assistida, sexo e reprodução aparecem, nos humanos (mas não só), um pouco mais dissociados. No entanto, um instinto sexual evoluído, isto é, que não se esgota (nem perto disso) na prática exclusiva do sexo, é indissociável da nossa condição humana e permanecerá connosco enquanto existirmos como a mais superior das espécies.

É ao conjunto de atitudes, comportamentos, impulsos, reacções, cumplicidades, que constituem o todo do instinto sexual humano e que se prolonga por toda a nossa vida, que chamamos sexualidade.

Esta sexualidade surge, por vezes, de forma incompleta: nalgumas, sobretudo na adolescência, sem a componente do impulso fisiológico (o chamado “amor platónico”); noutras, apenas com essa componente fisiológica, que conduz, dependendo dos indivíduos, à masturbação, ao sexo com um parceiro casual ou ao sexo pago (a primeira preferível às restantes, pois não envolve rico de contrair doenças sexualmente transmissíveis). Mas, dada a complexidade da nossa espécie, este “sexo pelo sexo” não é, na generalidade dos casos, sobretudo quando nos tornamos adultos, completamente satisfatório em termos psico-afectivos, nem perto disso, pelo que, a vivência de uma sexualidade plena implica o estabelecer de fortes relações afectivas com um parceiro sexual que connosco partilhe bem mais que alguns momentos de simples acto sexual.

Em resumo, a sexualidade humana apresenta duas funções: por um lado, o instinto básico que permite a reprodução; por outro, a criação de laços fortes e duradouros, entre os dois parceiros sexuais, susceptíveis de permitirem a partilha mútua da vida e de possibilitarem a protecção e a transmissão de valores, aos filhos, por parte de ambos os progenitores.

Referências: “Encenações e comportamentos sexuais: Para uma psicologia social da sexualidade” de Valentim Rodrigues Alferes; “Relações Afectivas e Saúde Mental” de Maria Cristina Sousa Canavarro; “Human Development” de Diane E. Papalia, Sally W. Olds e Ruth D. Feldman.

terça-feira, 26 de abril de 2011

As TAC de corpo inteiro

Nos últimos anos têm aparecido em jornais de grande circulação, assim como em revistas “médicas”, anúncios a convidarem as pessoas para fazerem voluntariamente uma Tomografia Axial Computorizada (TAC) de corpo inteiro como medida de rastreio do cancro. De facto, o diagnóstico precoce ajuda à cura ou, quando esta não é possível, à minimização dos efeitos de doenças complexas, como os cancros. No entanto, este tipo de exame não é inócuo e não deve ser efectuado sem conselho médico, dados os riscos (não despicientes) que comporta para o paciente. Vejamos: quando se faz um teste para detectar uma doença, não existindo sintomas (doença assintomática), ou existindo pequenos sintomas que não permitem ter uma ideia clara da possível doença, podem acontecer quatro situações: o teste é “positivo” e o doente tem a doença (chama-se a isto um verdadeiro positivo); o teste é “positivo” mas o doente não está efectivamente doente (falso positivo); o teste é “negativo” (ou normal) mas o paciente está efectivamente doente (falso negativo); finalmente, o teste é “negativo” e a pessoa não está doente (verdadeiro negativo). Ora, sobretudo na segunda situação, de falso positivo, de longe a situação mais frequente dos “falsos”, e infelizmente não tão rara como seria desejável, origina pedidos de novos testes, aumentando as preocupações, ansiedades e angústias dos doentes, causando muitas vezes problemas psíquicos, e gastando desnecessariamente recursos económicos escassos. No caso concreto do rastreio por TAC de corpo inteiro em indivíduos assintomáticos, a exposição a doses relativamente elevadas de radiação ionizante, entre 500 a 1000 vezes maiores que a de uma vulgar radiografia (raio X) ao tórax, acrescida das doses (possíveis) associadas a novos testes é factor de risco acrescido de doença, sendo muitas vezes desnecessária e por isso desaconselhada. Em conclusão, são de evitar exames de rotina complexos, normalmente bastante caros, como a TAC de corpo inteiro, em doentes sem quaisquer sintomas ou com sintomas comuns a muitas doenças banais, sem prévio aconselhamento e prescrição pelo médico. Referência: Artigo da Harvard Medical School

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Embaixadores da Saúde (3)

No passado dia 4 de Abril realizou-se, no auditório da escola, mais uma reunião entre os Embaixadores da Saúde e a Equipa de Saúde Escolar. A assistência, desta vez menos numerosa do que tem sido habitual, ouviu a Dr.ª Anabela Falcão questioná-la sobre qual tem sido o papel de cada um enquanto Embaixador da Saúde. Seguidamente, os presentes foram instados a reflectir sobre como é possível passar da informação à mudança de comportamento.

Posteriormente, falou-se dos perigos associados ao consumo de álcool e drogas e, por arrastamento, nos acidentes, que nos países desenvolvidos são a primeira causa de morte entre os jovens. A Dr.ª Anabela Falcão enfatizou que o que define o alcoolismo não é a embriaguez (que pode ser ocasional) mas sim a dependência do álcool.

A próxima reunião com os Embaixadores da Saúde ocorrerá no próximo dia 11 de Março, pelas 10:05.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

A laranja de manhã é ouro, à tarde é prata e à noite mata

Este é um dos ditados populares mais ouvidos em Portugal, sobretudo nas regiões do interior do país. É, no entanto, como muitos outros ditos populares, um mito. Como facilmente se percebe, a frase relaciona hipotéticos benefícios ou riscos da ingestão das laranjas com o momento do dia em isso ocorre. Diz-nos que comer laranjas pela manhã é mais benéfico (ouro) e que esse benefício vai diminuindo ao longo do dia (à tarde, prata) tornando-se um alimento perigoso se ingerido depois do pôr-do-sol (à noite mata). A origem da frase é desconhecida, sabendo-se, contudo, que já era popular no século XIX, tendo, nos últimos anos ganho grande difusão com o advento da Internet (a frase (do título) apresenta mais de 7 mil ocorrências no Google). Não existe, no entanto, qualquer estudo científico que confirme esta hipótese. As laranjas são ricas em vitaminas (principalmente a C), em pectinas e em açúcares, devendo fazer parte de uma alimentação equilibrada, rica em frutas e vegetais. Além de prevenirem contra doenças causadas por falta de vitamina C (como o escorbuto, ou a perda de consistência dos vasos sanguíneos), contribuem (tal como outros citrinos) para a diminuição da “pedra” nos rins (doença designada por nefrolitíase). Em conclusão, podemos e devemos consumir laranjas (e outras frutas, preferencialmente alaranjadas, rosadas ou vermelhas) regularmente, independentemente da refeição (e hora do dia) a que isso ocorra. E já que falamos de mitos e de vitamina C, aproveito para informar que não há estudos científicos credíveis que provem que a ingestão de vitamina C possa contribuir para a cura ou para a prevenção tanto de gripes como de constipações. Este é também um mito bastante difundido.

Referência: N.º 1 de “O Quebra Mitos”, boletim de notícias da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo I. P., cujo autor é o Professor Doutor António Vaz Carneiro

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Concurso para criação do logótipo do gabinete

O Gabinete de Apoio ao Aluno (GAA) está a promover um concurso para a criação do logótipo, que passará a ser o símbolo identificativo do mesmo. Qualquer aluno da Escola Secundária de Cacilhas-Tejo pode participar no concurso.
Se estás interessado em concorrer (individualmente ou em grupo) dirige-te ao GAA (sala B06) ou pede uma ficha de inscrição ao teu Director de Turma/Mediador, preenche-a e entrega-a ao mesmo até ao dia 29 de Abril (sexta-feira da primeira semana de aulas após a interrupção da Páscoa).

Os trabalhos têm de ser entregues até ao dia 29 de Maio, em suporte de papel (formato A4) no GAA, ou enviados (em formato digital) para o endereço de email pescacilhastejo@gmail.com.

Para mais informações consulta aqui o Regulamento do Concurso.

segunda-feira, 28 de março de 2011

"A saúde mental dos portugueses"

Pedro Afonso, conhecido médico psiquiatra escreveu, no jornal Público, há quase um ano (foi publicado a 21 de Junho de 2010), um texto triste, que retrata, com a frieza do realismo, algumas situações de vida de pessoas que diariamente procuram as suas consultas de psiquiatria.

“Recentemente, ficámos a saber, através do primeiro estudo epidemiológico nacional de Saúde Mental, que Portugal é o país da Europa com a maior prevalência de doenças mentais na população. No último ano, um em cada cinco portugueses sofreu de uma doença psiquiátrica (23%) e quase metade (43%) já teve uma destas perturbações durante a vida.

Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque assisto com impotência a uma sociedade perturbada e doente em que a violência, urdida nos jogos e na televisão, faz parte da ração diária das crianças e adolescentes. Neste redil de insanidade, vejo jovens infantilizados incapazes de construírem um projecto de vida, escravos dos seus insaciáveis desejos e adulados por pais que satisfazem todos os seus caprichos, expiando uma culpa muitas vezes imaginária. Na escola, estes jovens adquiriram um estatuto de semideus, pois todos terão de fazer um esforço sobrenatural para lhes imprimirem a vontade de adquirir conhecimentos, ainda que estes não o desejem. É natural que assim seja, dado que a actual sociedade os inebria de direitos, criando-lhes a ilusão absurda de que podem ser mestres de si próprios.

Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque, nos últimos quinze anos, o divórcio quintuplicou, alcançando 60 divórcios por cada 100 casamentos (dados de 2008). As crises conjugais são também um reflexo das crises sociais. Se não houver vínculos estáveis entre seres humanos não existe uma sociedade forte, capaz de criar empresas sólidas e fomentar a prosperidade. Enquanto o legislador se entretém maquinalmente a produzir leis que entronizam o divórcio sem culpa, deparo-me com mulheres compungidas, reféns do estado de alma dos ex-cônjuges para lhes garantirem o pagamento da miserável pensão de alimentos.

Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque se torna cada vez mais difícil, para quem tem filhos, conciliar o trabalho e a família. Nas empresas, os directores insanos consideram que a presença prolongada no trabalho é sinónimo de maior compromisso e produtividade. Portanto é fácil perceber que, para quem perde cerca de três horas nas deslocações diárias entre o trabalho, a escola e a casa, seja difícil ter tempo para os filhos. Recordo o rosto de uma mãe marejado de lágrimas e com o coração dilacerado por andar tão cansada que quase se tornou impossível brincar com o seu filho de três anos.

Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque a taxa de desemprego em Portugal afecta mais de meio milhão de cidadãos. Tenho presenciado muitos casos de homens e mulheres que, humilhados pela falta de trabalho, se sentem rendidos e impotentes perante a maldição da pobreza. Observo as suas mãos, calejadas pelo trabalho manual, tornadas inúteis, segurando um papel encardido da Segurança Social.

Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque é difícil aceitar que alguém sobreviva dignamente com pouco mais de 600 euros por mês, enquanto outros, sem mérito e trabalho, se dedicam impunemente à actividade da pilhagem do erário público. Fito com assombro e complacência os olhos de revolta daqueles que estão cansados de escutar repetidamente que é necessário fazer mais sacrifícios quando já há muito foram dizimados pela praga da miséria.

Finalmente, interessa-me a saúde mental de alguns portugueses com responsabilidades governativas porque se dedicam obsessivamente aos números e às estatísticas esquecendo que a sociedade é feita de pessoas. Entretanto, com a sua displicência e inépcia, construíram um mecanismo oleado que vai inexoravelmente triturando as mentes sãs de um povo, criando condições sociais que favorecem uma decadência neuronal colectiva, multiplicando, deste modo, as doenças mentais.

E hesito em prescrever antidepressivos e ansiolíticos a quem tem o estômago vazio e a cabeça cheia de promessas de uma justiça que se há-de concretizar; e luto contra o demónio do desespero, mas sinto uma inquietação culposa diante destes rostos que me visitam diariamente.”

sexta-feira, 25 de março de 2011

A doença (?) do amor

Ao ler os dois textos anteriores (aqui publicados) que falavam de saúde e de amor lembrei-me disto:
“A cidade está deserta
E alguém escreveu o teu nome em toda a parte:
Nas casas… nos carros… nas pontes… nas ruas…
Em todo o lado essa palavra
Repetida ao expoente da loucura!
Ora amarga! Ora doce!
Para nos lembrar que o amor é uma doença,
Quando nele julgamos ver a nossa cura!”
[Verso de Victor Espadinha, o último, da música” Ouvi dizer”, do grupo “Ornatos Violeta”]

terça-feira, 22 de março de 2011

A Química do Amor

Já todos sentimos o coração bater descompassadamente por aquela pessoa especial e as mãos ficarem molhadas com a emoção. Este tipo de reacção é normal e pode ser explicado pela presença de umas substâncias químicas – neurotransmissores – no nosso organismo.
Este artigo explica como se processa todo este mecanismo do amor.

O que é a Saúde?

Dado que este é um blogue sobre a saúde convém definir este conceito.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS): «Saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não, simplesmente, a ausência de doenças ou enfermidades.»
Esta organização internacional comemora o Dia Mundial da Saúde a 7 de Abril, data que marca a sua fundação. Anualmente, é escolhido um tema-chave da saúde global e organizados eventos internacionais, regionais e locais no dia e durante todo o ano para destacar a área seleccionada.

segunda-feira, 21 de março de 2011

A tuberculose revista

A propósito da tuberculose, doença de que se falou na reunião com os Embaixadores da Saúde efectuada no passado dia um de Março, que abordámos aqui, parece-me importante reforçar o tema publicando parte de uma entrevista (relativamente recente) do bioquímico, António Piedade, ao médico Massano Cardoso, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, realizada em Setembro de 2010 e publicada no blogue “De Rerum Natura”:
António Piedade (AP) - Segundo a OMS, a cada segundo que passa, ou seja, a cada duas palavras desta pergunta, uma nova pessoa no mundo é infectada pela bactéria Mycobacterium Tuberculosis, causadora da tuberculose. Cerca de um terço da população mundial está infectada pelo bacilo. Pode contextualizar a epidemiologia da doença em Portugal? Massano Cardoso (MC) - O decréscimo da prevalência da tuberculose em Portugal é, desde há muitos anos, uma realidade que merece ser destacada. Presentemente, o número de novos casos registados coloca-nos numa posição intermédia com uma taxa de incidência de 24 por 100 mil habitantes. O “desejável” seria baixar para menos de 20 por 100 mil habitantes. Quando se atingem taxas desta natureza, é preciso muito esforço para que se possa observar uma ligeira redução. Sendo assim, no futuro, é de esperar que continuemos a observar melhorias, mas, seguramente, a um ritmo lento. Em termos geográficos existe uma grande variação da incidência da tuberculose, sendo as áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto as mais atingidas. Aparentemente poderá parecer um paradoxo, ou seja, as áreas mais desenvolvidas são precisamente as que apresentam taxas de incidência mais elevadas. A justificação tem a ver com os actuais factores de risco da tuberculose, toxicodependência, infecção VIH/Sida, imigrantes, condições facilitadoras do contágio nos bairros e cinturões dos polos de atracção. Quanto aos grupos de risco, os já enunciados constituem uma preocupação muito séria, a par dos tradicionais, nomeadamente profissionais de saúde. Numa perspectiva epidemiológica, um bom empenhamento e adequada coordenação na luta contra a tuberculose não deixará de continuar a dar resultados positivos. Estamos perante uma velha doença que “sabe” aproveitar todos os condicionalismos sociais, comportamentais e económicos para se manter activa. Portugal reúne muitos desses condicionalismos.
AP - O aumento no número de pessoas infectadas é acompanhado por um aumento de mortes devidas à doença tuberculosa? saúde. Numa perspectiva epidemiológica, um bom empenhamento e adequada coordenação na luta contra a tuberculose não deixará de continuar a dar resultados positivos. Estamos perante uma velha doença que “sabe” aproveitar todos os condicionalismos sociais, comportamentais e económicos para se manter activa. Portugal reúne muitos desses condicionalismos. MC - A relação morbilidade/mortalidade é linear. Quantos mais casos, maior o risco de morte. No caso vertente, apesar da terapêutica e do sucesso da mesma, desde que cumpridas as regras, que, diga-se em abono da verdade, nem sempre são fáceis de cumprir, já que exige adesão durante um período longo, tem-se observado casos mortais. No contexto mundial, a realidade é particularmente confrangedora, chegando nalgumas regiões do globo a ser mesmo obscena, revelando incompetência e falta de cuidados na prevenção e tratamento.
AP - Quais os factores que nos ajudam a explicar este aumento na incidência da infecção pelo bacilo de Koch? Qual o peso, neste aumento, da resistência bacteriana às terapêuticas antibióticas utilizadas? MC - A tuberculose esteve sempre ligada a problemas de fragilidade biológica condicionada pela falta de higiene, má alimentação e superpovoamento, além de outras patologias que se acompanham de diminuição da capacidade imunológica. Nos últimos séculos terá sido a doença que mais influenciou, em termos evolutivos, a espécie humana, ao seleccionar os mais resistentes que, decerto, possuirão características biológicas próprias, as quais poderão ser responsáveis por alguns problemas de saúde típicos da sociedade moderna. De qualquer modo, a par dos factores “clássicos”, que continuam a predominar, mesmo entre nós, a “chegada” de novos comportamentos e de novas doenças contribuíram para a sua propagação. A toxicodependência é um deles, assim como a infecção pelo VIH/Sida. Estamos perante uma doença que pode e deve ser combatida a vários níveis. Talvez o mais importante é a actuação a montante, mas muito a montante, a nível social, cultural, económico e até político de um país. Trata-se de uma doença que preenche perfeitamente os requisitos para mostrar a importância da “Network Science” (Ciência das Redes). Medidas culturais, alimentares, habitacionais, organizacionais e económicas acabam por reduzir de uma forma efectiva muitas doenças, tais como: a sida, a tuberculose ou a toxicodependência que, na periferia da rede, acabam por se entrelaçar de forma muito perigosa. Estamos perante uma doença cuja terapêutica social, numa perspectiva de prevenção, é extraordinariamente eficaz. Quanto se manifesta clinicamente, o recurso aos fármacos é indispensável, podendo, na grande maioria dos casos resolver o problema. No entanto, o número de casos de tuberculose resistentes à terapêutica é uma realidade preocupante, que, aliada à falta de investigação de novos fármacos no seu combate preocupa, e muito, os responsáveis.