“Negacionismo é
não reconhecer como verdadeiro um facto ou um conceito que pode ser verificado
empiricamente.
Estupidez é fazer algo que nos prejudica a nós próprios e
aos outros também, não beneficiando a ninguém.
Ao longo destes muitos meses de
pandemia, tenho publicamente exposto as minhas opiniões sobre a mesma, quer na
imprensa, quer em canais de internet, quer em revistas científicas.
E já me aconteceu muita coisa.
Já fui objecto de processos
disciplinares, quer no meu hospital, quer na Ordem dos Médicos, fui impedido de
trabalhar durante duas semanas por me recusar a ser testado para o SARSCoV2,
fui interpelado na rua por não usar máscara, entre outros acontecimentos
discriminatórios variados.
E, claro, devo ter sido
amplamente vilipendiado por essas redes sociais fora, redes às quais não
pertenço, vivendo assim em quase total ignorância desses insultos.
Mesmo assim, sei que um dos
epítetos que repetidamente me aplicam é o de ser “negacionista”. Ora eu tenho
lido notícias variadas sobre “negacionistas”, desde médicos, a juízes, passando
por políticos e personagens do cinema e televisão. E tenho observado felicidade
e gáudio de cada vez que algum destes “negacionistas” é atacado, processado
disciplinarmente, fica doente, ou falece mesmo, com CoViD-19.
Só que estes “negacionistas” são
muito diversos, sendo que (…) o denominador comum a todos os chamados
“negacionistas” é a sua oposição às medidas impostas a todos nós, em nome do
combate à CoViD-19.
Será que esta oposição às medidas
é negacionismo, ou serão as medidas uma estupidez?
Eu sou contra a imposição destas
medidas de combate à pandemia. Considero que são muito mais prejudiciais
do que benéficas.
É que este balanço entre os
malefícios e benefícios das medidas depende da quantificação de cada um dos
pratos. (…)
Os malefícios das medidas não são
só económicos (…) houve, há e vai haver também malefícios na saúde, quer
de doenças não diagnosticadas, não acompanhadas ou não tratadas (devido
ao direccionar prioritário dos recursos de saúde para a pandemia), mas
também de doença mental, provocada ou agravada pelas próprias medidas.
Por isso, o balanço entre
malefícios e benefícios das medidas não é simplesmente a economia
versus a saúde, mas sim algo de mais complexo e em que a saúde potencialmente
ganha num dos pratos da balança é também potencialmente perdida no
outro.
Mas, para além dos malefícios das
medidas, mesmo o seu benefício é alvo de dúvida e discussão.
Negacionismo?
Eu nego, e sempre neguei, as
múltiplas sugestões/recomendações que agora são já quase unanimemente
consideradas ridículas, e referidas com sorrisos e encolher de ombros,
mas que foram previamente levadas a sério e religiosamente cumpridas. (…)
Nem vale a pena falar sobre o
número, legalmente limitado, de pessoas com que nos podemos sentar à
mesa, ou então as setas que no chão nos obrigam seguir por um caminho
e não outro, para não nos cruzarmos com alguém. Qual a
evidência científica sobre a utilidade real destas medidas? E porque são
seis pessoas à mesa, e não cinco ou sete, ou duas apenas, ou então vinte e oito?
Quem terão sido as pessoas que um dia, sentadas numa mesa de reuniões num
gabinete qualquer, optaram por este número que depois foi imposto a um
país inteiro?
Somos capazes agora de rir e
gozar com tudo isto. Mas será que o faremos também, daqui a algum tempo, com as
outras medidas que os “negacionistas” refutam?
Nego e sempre neguei o uso
obrigatório de equipamentos individuais de protecção, tipo “fatos de
astronauta” utilizados no vírus Ebola (que se transmite por contacto directo e
não pelo ar) e sem qualquer evidência ou sentido perante um vírus respiratório,
e que impediram a correcta avaliação dos doentes, a sua auscultação, o contacto
humano com eles, e causaram uma enorme ineficiência por tornarem toda a
actividade médica e de enfermagem muito mais pesada e lenta. Quantos doentes
terão morrido desnecessariamente devido ao uso destes equipamentos excessivos?
O uso destes “fatos de
astronauta” teve também uma enorme contribuição para o terror generalizado que
se espalhou, quer entre a população em geral, quer entre os doentes e os
próprios profissionais de saúde. É realmente assustador vermos toda a gente
vestida com aquilo.
E nem me vou alongar em relação a
recomendações, vazias de evidência, que levaram a que os doentes CoViD fossem
tratados de forma diversa de todas as outras doenças respiratórias graves que
existiram e existem todos os anos, e que os fizeram ficar mais abandonados,
isolados em enfermarias e em quartos de acesso limitado, ser ventilados mais
precocemente, ser entubados e extubados de forma diferente.
Sempre me opus à obrigatoriedade
do uso generalizado de máscara pela população saudável, no exterior ou em
espaços interiores. No início da pandemia, a única situação em que existia
alguma evidência (fraca) da utilidade do uso de máscara, era na prestação directa
de cuidados a doentes com CoViD-19. Várias autoridades de saúde por todo o
Mundo afirmaram mesmo a inutilidade do uso generalizado de máscaras pela
população. A evolução subsequente da evidência científica não alterou de forma
significativa o conhecimento nesta área. A própria OMS, numa sua recomendação
de Junho, afirma que “não
existe evidência directa da eficácia do uso generalizado de máscaras por
indivíduos saudáveis na comunidade para prevenir a infecção CoViD-19”. Numa actualização de Dezembro, a mesma OMS mantém que “há apenas
evidência científica limitada e inconsistente que suporte a eficácia do uso de
máscaras por pessoas saudáveis na comunidade para prevenir a infecção por SARSCoV2”. Será
a OMS negacionista?
À excepção de modelos hipotéticos
e de estudos realizados em condições laboratoriais altamente controladas, os
trabalhos feitos em situação de vida real, e que comparavam casos de CoViD-19
entre pessoas que usavam máscara e as que não o faziam, não encontraram
diferença significativa entre elas.
Ser contra o uso de máscaras é
negacionismo, ou essa imposição é uma estupidez?
Considerei e continuo a
considerar o encerramento de escolas uma das maiores aberrações nesta pandemia.
Não é uma recomendação da OMS (pelo contrário, houve várias recomendações da
OMS contra essa medida). Desde o início da pandemia que a evidência científica
apontava para a ausência de qualquer benefício do encerramento de
estabelecimentos de ensino, apesar de tantos e tantos “peritos” clamarem o
contrário. Passado mais de um ano, tudo continua a apontar para a inutilidade
dessa medida. Na Suécia, que não encerrou escolas, não houve qualquer aumento
no número de mortes entre as crianças e a incidência de CoViD-19 entre os
professores foi menor do que noutras profissões.
Nego e sempre neguei qualquer
vantagem da testagem massiva, recomendada pela OMS e repetida por autoridades
de saúde, peritos e curiosos por todo o Mundo. Não só não existia qualquer
evidência de vantagem dessa estratégia, como a evidência que entretanto surgiu
parece não encontrar qualquer efeito valorizável da testagem mais agressiva na
evolução dos números da pandemia. Por exemplo, o Reino Unido fez 4x mais testes
por milhão de habitantes do que a Alemanha, tendo esta no entanto menos 33% de
casos. (…)
Nego, e neguei sempre, a
utilidade do rastreio de pessoas saudáveis, com vista ao isolamento das que
tenham um teste positivo para o SARSCoV2, bem como o isolamento dos seus
contactos (e, muitas vezes, o isolamento dos contactos dos contactos). (…)
Sempre achei uma insanidade, no
âmbito de um vírus respiratório, mandar toda a população de um País fechar-se
em casa, seja qual for a denominação elegante que dêem à estratégia, seja
“confinamento”, seja “dever cívico de recolhimento domiciliário”. Não existia
há um ano, e continua sem existir, qualquer evidência digna desse nome que
indique um menor risco de infecção a quem se feche em casa quando comparado com
quem respira ar livre em plenos pulmões. Nem nunca isso aconteceu com outros
vírus respiratórios, nem nunca fez sentido que assim fosse com este.
Choca-me, e sempre me chocou, a
forma como apertar as mãos num cumprimento humano educado desapareceu dos
nossos hábitos. Continua a não existir (como nunca existiu) evidência de que o
contacto com as mãos, em superfícies ou objectos seja uma fonte significativa
de transmissão deste ou de outros vírus respiratórios.
Sempre considerei, e continuo a
considerar, criminoso impedir as visitas nos lares e hospitais. Ao longo deste
ano, os surtos em lares ocorreram na mesma, de forma generalizada, como nos
outros países. E morreram na mesma os idosos que teriam que morrer, e
sobreviveu a maioria, como em todo o lado. Só que os que morreram fizeram-no
sem se despedirem dos seus, e os que sobreviveram ficaram mais tristes e
abandonados, muitas vezes sem conseguirem compreender porquê. E perderam mais
um ano do (curto) tempo que lhes resta. Sem lhes darem a opção de escolha, nem
a eles nem às suas famílias. Tanta gente que morreu e foi enterrada sem a
família sequer os poder ver, despedir, fazer o luto! Criminoso. (…)
Se negacionismo é negar factos
comprovados, e estupidez é fazer algo que a todos prejudica, será que sou eu
que sou negacionista, ou isto é tudo apenas estupidez?
É que, sabem?, eu não sou
conspiracionista, e não acho que estas medidas tenham sido escolhidas e
impostas a todos nós graças a planos maquiavélicos para benefício de alguns.
Não. Tudo isto mais não é do que
estupidez. Deles, e de todos nós que os seguimos.”
Pelo médico Tiago
Tribolet de Abreu, no Observador de 13 de Junho
P.S. Devido à sua extensão
optámos pela publicação parcial do artigo, sem prejuízo das ideias fundamentais.