A propósito da tuberculose, doença de que se falou na reunião com os Embaixadores da Saúde efectuada no passado dia um de Março, que abordámos aqui, parece-me importante reforçar o tema publicando parte de uma entrevista (relativamente recente) do bioquímico, António Piedade, ao médico Massano Cardoso, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, realizada em Setembro de 2010 e publicada no blogue “De Rerum Natura”:
António Piedade (AP) - Segundo a OMS, a cada segundo que passa, ou seja, a cada duas palavras desta pergunta, uma nova pessoa no mundo é infectada pela bactéria Mycobacterium Tuberculosis, causadora da tuberculose. Cerca de um terço da população mundial está infectada pelo bacilo. Pode contextualizar a epidemiologia da doença em Portugal? Massano Cardoso (MC) - O decréscimo da prevalência da tuberculose em Portugal é, desde há muitos anos, uma realidade que merece ser destacada. Presentemente, o número de novos casos registados coloca-nos numa posição intermédia com uma taxa de incidência de 24 por 100 mil habitantes. O “desejável” seria baixar para menos de 20 por 100 mil habitantes. Quando se atingem taxas desta natureza, é preciso muito esforço para que se possa observar uma ligeira redução. Sendo assim, no futuro, é de esperar que continuemos a observar melhorias, mas, seguramente, a um ritmo lento. Em termos geográficos existe uma grande variação da incidência da tuberculose, sendo as áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto as mais atingidas. Aparentemente poderá parecer um paradoxo, ou seja, as áreas mais desenvolvidas são precisamente as que apresentam taxas de incidência mais elevadas. A justificação tem a ver com os actuais factores de risco da tuberculose, toxicodependência, infecção VIH/Sida, imigrantes, condições facilitadoras do contágio nos bairros e cinturões dos polos de atracção. Quanto aos grupos de risco, os já enunciados constituem uma preocupação muito séria, a par dos tradicionais, nomeadamente profissionais de saúde. Numa perspectiva epidemiológica, um bom empenhamento e adequada coordenação na luta contra a tuberculose não deixará de continuar a dar resultados positivos. Estamos perante uma velha doença que “sabe” aproveitar todos os condicionalismos sociais, comportamentais e económicos para se manter activa. Portugal reúne muitos desses condicionalismos.
AP - O aumento no número de pessoas infectadas é acompanhado por um aumento de mortes devidas à doença tuberculosa? saúde. Numa perspectiva epidemiológica, um bom empenhamento e adequada coordenação na luta contra a tuberculose não deixará de continuar a dar resultados positivos. Estamos perante uma velha doença que “sabe” aproveitar todos os condicionalismos sociais, comportamentais e económicos para se manter activa. Portugal reúne muitos desses condicionalismos. MC - A relação morbilidade/mortalidade é linear. Quantos mais casos, maior o risco de morte. No caso vertente, apesar da terapêutica e do sucesso da mesma, desde que cumpridas as regras, que, diga-se em abono da verdade, nem sempre são fáceis de cumprir, já que exige adesão durante um período longo, tem-se observado casos mortais. No contexto mundial, a realidade é particularmente confrangedora, chegando nalgumas regiões do globo a ser mesmo obscena, revelando incompetência e falta de cuidados na prevenção e tratamento.
AP - Quais os factores que nos ajudam a explicar este aumento na incidência da infecção pelo bacilo de Koch? Qual o peso, neste aumento, da resistência bacteriana às terapêuticas antibióticas utilizadas? MC - A tuberculose esteve sempre ligada a problemas de fragilidade biológica condicionada pela falta de higiene, má alimentação e superpovoamento, além de outras patologias que se acompanham de diminuição da capacidade imunológica. Nos últimos séculos terá sido a doença que mais influenciou, em termos evolutivos, a espécie humana, ao seleccionar os mais resistentes que, decerto, possuirão características biológicas próprias, as quais poderão ser responsáveis por alguns problemas de saúde típicos da sociedade moderna. De qualquer modo, a par dos factores “clássicos”, que continuam a predominar, mesmo entre nós, a “chegada” de novos comportamentos e de novas doenças contribuíram para a sua propagação. A toxicodependência é um deles, assim como a infecção pelo VIH/Sida. Estamos perante uma doença que pode e deve ser combatida a vários níveis. Talvez o mais importante é a actuação a montante, mas muito a montante, a nível social, cultural, económico e até político de um país. Trata-se de uma doença que preenche perfeitamente os requisitos para mostrar a importância da “Network Science” (Ciência das Redes). Medidas culturais, alimentares, habitacionais, organizacionais e económicas acabam por reduzir de uma forma efectiva muitas doenças, tais como: a sida, a tuberculose ou a toxicodependência que, na periferia da rede, acabam por se entrelaçar de forma muito perigosa. Estamos perante uma doença cuja terapêutica social, numa perspectiva de prevenção, é extraordinariamente eficaz. Quanto se manifesta clinicamente, o recurso aos fármacos é indispensável, podendo, na grande maioria dos casos resolver o problema. No entanto, o número de casos de tuberculose resistentes à terapêutica é uma realidade preocupante, que, aliada à falta de investigação de novos fármacos no seu combate preocupa, e muito, os responsáveis.