“Dosis sola facit venenum.” Paracelsus, 1538
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segunda-feira, 16 de agosto de 2021

Qual é a bebida que melhor hidrata?

  

É habitual escutarmos, principalmente entre desportistas de competição, interessantes trocas de argumentos fundamentando as ideias de cada participante na discussão do tema. Por regra, os argumentos são pobres e cada um acaba a querela com a mesma ideia que tinha no seu início, não convencendo nem se deixando convencer. Entre médicos, como é habitual na maioria das matérias científicas, as opiniões divergem bastante e amiúde prevalece o mito urbano mais popular.

Para responder à pergunta do título, não são poucos os que, em vez de recorrerem a argumentos científicos, recorrem a uma justificação linguística – Se hidratar é manter ou aumentar a quantidade de água no organismo, então o melhor é usar água. A água é o melhor hidratante.

Até a Direcção-Geral da Saúde (DGS) há poucos anos alertava para a necessidade de nos hidratarmos nos dias de maior calor (nomeadamente na praia) e recomendava que bebêssemos água e não refrigerantes. O DGS da época, Francisco George, médico de formação, apesar da longa carreira política, chegou mesmo a dizer numa entrevista televisiva que bebidas com açúcar e/ou cafeína aumentavam a desidratação. Alegações deste tipo não constituem novidade, porque no que se refere à saúde, a DGS e os seus dirigentes há muito que se tornaram uma máquina infernal de propagação de mitos. Ponto um – não temos que nos preocupar com a hidratação porque quando estamos desidratados temos cede. Ponto dois – Bebidas, quaisquer que elas sejam, têm a água como principal componente, não podem desidratar, umas podem é hidratar mais que outras, mas todas hidratam. Ponto três – O açúcar, tal como o sal, éhigroscópico retendo água no organismo, evitando, ou no mínimo retardando, a desidratação, e a cafeína, que muitos consideram apresentar propriedades diuréticas, não confirma essa propriedade na maioria das bebidas onde se inclui (apenas o café parece apresentar um ligeiro efeito diurético).

Então a água não é o melhor hidratante?

De facto, estamos desidratados quando temos falta de água. Mas para nos mantermos hidratados precisamos de reter a água no organismo pelo máximo tempo possível. Portanto, bebidas com mais sais minerais que a água e com razoáveis teores de açúcar ou de proteínas, ainda que apresentem quantidades de água inferiores, para o mesmo volume de líquido ingerido, retêm por mais tempo essa água no organismo mantendo-o assim melhor hidratado.

Um estudo publicado em finais de 2015 no “The American Journal of Clinical Nutrition” analisou a capacidade de hidratação de 13 bebidas diferentes e veio confirmar o lógico. Atrás da água ficaram apenas: a cerveja (no 12.º) e o café (no 13.º lugar). Praticamente empatadas, no décimo lugar ficaram: a água e a água com gás. Empatados no oitavo lugar ficaram: o chá quente (servido a 60 ºC) e uma bebida desportiva (concretamente Powerade). Em sétimo lugar ficou o Ice Tea. À sua frente um refrigerante de cola sem açúcar (no caso, Diet Coke). Bem melhor, em termos de hidratação, o quinto lugar foi ocupado por um refrigerante de cola com açúcar (neste caso a Coca-Cola). Com capacidade idêntica, no quarto lugar, classificou-se o sumo de laranja. O segundo lugar foi partilhado por uma “solução oral de rehidratação” (preparação farmacêutica constituída por água açúcar e sais essenciais (sal de cozinha, cloreto de potássio e citrato de sódio) e pelo leite completo (com 3,6% de gordura - na maioria dos supermercados portugueses este leite não é comercializado, sendo o leite gordo, com cerca de 3% de gordura o que mais se aproxima do leite completo ou inteiro). E o melhor hidratante é… o leite magro (0,1% de gordura).

Em resumo, café e bebidas com pouco álcool apresentam uma capacidade de hidratar ligeiramente inferior à da água (quanto maior for o teor de álcool menor é o poder hidratante). Os chás, frios ou quentes, independentemente dos sabores, são quase 100% água, pelo que apresentam praticamente o mesmo potencial hidratante que ela. Sumos e refrigerantes, devido ao alto teor de açúcares totais (normalmente ligeiramente acima dos 100 g/L) são muito bons hidratantes. O leite, devido à sua riqueza em açúcares (cerca de 50 g/L antes de adicionarmos mais) e em proteínas (30 a 40 g/L) é o melhor hidratante.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

Mais dois esclarecimentos: obrigatoriedade da realização de testes PCR e do cumprimento de quarentena…

 

Na sequência dos esclarecimentos que aqui deixei no texto anterior e que notei que surpreenderam alguns de vocês, surgiram entretanto outras duas dúvidas que vou tentar esclarecer, com o mínimo de polémica possível, até porque, mais uma vez, a ideia que a comunicação social tenta passar vai em sentido contrário ao da realidade.

 

Quando é que é obrigatória a realização de um teste PCR?

Nunca! Como também referi no texto anterior, o PCR não é um teste, é uma ferramenta de ampliação de RNA ou de DNA. No entanto, está a ser usado mundo fora como teste de diagnóstico do vírus SARSCoV2 (ou se preferirem, da infecção respiratória CoViD-19). Um teste de diagnóstico de uma doença tem obrigatoriamente que ser prescrito por um médico e só é realizado se o doente (ou quem exerce o poder paternal, se o doente for menor de idade) o consentir, sempre na sequência de uma consulta médica para a qual nos inscrevemos voluntariamente. Portanto, efectua um teste PCR quem quer, quando quer. Se entender que não deve realizar, não realiza.

Para que não haja dúvidas de que não é possível obrigar alguém à realização do alegado teste, deixo transcrição extraída de um Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa datado do passado dia 11 de Novembro - “o diagnóstico quanto à existência de uma doença, relativamente a toda e qualquer pessoa, é matéria que não pode ser realizada por Lei, Resolução, Decreto, Regulamento ou qualquer outra via normativa”.

 

Quando realizo um teste PCR que dá resultado positivo, mesmo sem sintomas, tenho de cumprir quarentena?

Em termos legais a resposta é a mesma, independentemente de haver sintomas ou não. Começo por dar uma opinião pessoal. A esmagadora maioria dos médicos, virulogistas, pneumologistas e epidemiologistas está convencida que as infecções respiratórias são doenças contagiosas [que passam de uma pessoa para outra, e que através dos inquéritos epidemiológicos (a que não somos obrigados a responder, como é óbvio) permitem calcular, teoricamente, o Índice de Transmissibilidade - R(t)] e portanto, quando temos uma infecção respiratória que causa febre (principalmente alta) acreditam que temos uma carga viral elevada e que facilmente propagamos a doença. Em minha opinião, devemos ficar em casa os dias necessários para que a febre desapareça, não tanto para evitar a propagação da doença a outras pessoas (em que podemos acreditar ou não) mas principalmente para não agravarmos a nossa infecção. Se formos ao médico facilmente obteremos uma declaração de doença que justifica as faltas na escola e/ou no trabalho. Sem sintomas ou com sintomas ligeiros, regra geral não procuramos ajuda médica e o quotidiano segue normalmente.

Mas o médico não nos obriga a nada, dá-nos conselhos especializados que normalmente acatamos, até porque gastámos tempo e dinheiro na consulta para lhe escutar a opinião.

Como escrevi acima, em termos legais a resposta não depende da existência de sintomas ou não. Não é possível impor uma quarentena, contra a vontade de alguém, por causa de uma infecção respiratória. A quarentena (se considerarmos que nos impede de sair de casa, sempre que precisarmos/quisermos) corresponde a uma privação da liberdade e a lei portuguesa só prevê a privação de liberdade por doença no caso de “anomalia psíquica”.

Mais uma vez, e para que não haja dúvidas legais, transcrevo do Acórdão supracitado - “Qualquer pessoa ou entidade que profira uma ordem, cujo conteúdo se reconduza à privação da liberdade física, ambulatória, de outrem (qualquer que seja a nomenclatura que esta ordem assuma: confinamento, isolamento, quarentena, resguardo profiláctico, vigilância sanitária etc), que se não enquadre nas previsões legais, designadamente no disposto no artº 27 da CRP, estará a proceder a uma detenção ilegal”.

Do referido, conclui-se que as Resoluções do Conselho de Ministros números: 55-A/2020, de 31 de Julho, 63-A/2020, de 14 de Agosto, 68-A/2020, de 28 de Agosto, 81/2020, de 29 de Setembro (esta já revogada) e 88-A/2020, de 14 de Outubro, violam de forma directa o n.º 1 do artigo 27.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), pelo que, por serem inconstitucionais não podem ser aplicadas a nenhum caso concreto.

segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Alguns esclarecimentos sobre o uso das máscaras faciais


Tendo surgido, da parte dos alunos, essencialmente mas não exclusivamente, algumas dúvidas em relação aos locais onde é obrigatório o uso de máscaras, entendi escrever este texto com respostas às perguntas que mais frequentemente colocam.

Em que locais é obrigatório o uso de máscaras?

De acordo com o artigo 13º B do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março de 2020 o uso de máscara é obrigatório para maiores de 10 anos, nos seguintes locais:

Nos espaços e estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços;

Nos edifícios públicos ou de uso público onde se prestem serviços ou ocorram actos que envolvam público;

Nos estabelecimentos de educação, de ensino e nas creches;

No interior das salas de espectáculos, de exibição de filmes cinematográficos ou similares;

Nos transportes colectivos de passageiros.

 

Há excepções a esta obrigatoriedade?

Sim. Uma mais específica: “quando, em função da natureza das actividades, o seu uso seja impraticável.” Por exemplo, nas aulas de Educação Física, não só não é obrigatório o uso, com é totalmente desaconselhado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). E uma mais geral: “Declaração médica que ateste que a condição clínica da pessoa não se coaduna com o uso de máscaras.

 

Então nas ruas, o uso de máscara não é obrigatório?

Existe uma obrigação subjectiva, plasmada no número 1 do artigo 3.º da Lei n.º 62-A/2020, de 27 de Outubro, portanto muito recente, que refere que: “É obrigatório o uso de máscara por pessoas com idade a partir dos 10 anos para o acesso, circulação ou permanência nos espaços e vias públicas sempre que o distanciamento físico recomendado pelas autoridades de saúde se mostre impraticável”, para pessoas que não pertencem à mesma família. Mas, na prática, esta obrigatoriedade é objectivamente inexistente. Além da possibilidade de apresentação de declaração médica que ateste que por razões de saúde não podemos usar máscara e da actividade que estamos a praticar nos dispensar do seu uso (como comer, correr, andar de patins, de skate, de bicicleta, caminhar vigorosamente, etc.) extensíveis às obrigações acima descritas, ainda temos a questão de a obrigatoriedade do uso estar dependente de se mostrar impraticável o distanciamento físico de um metro (recomendado pela OMS). Ou seja, se estivermos na rua sem máscara (sem declaração médica e sem estarmos a praticar alguma actividade incompatível com o seu uso) ao sermos abordados por uma autoridade (ou por alguém que se sinta incomodado com a situação) esta terá de mostrar que era impraticável, para nós ou para o queixoso, o afastamento de um metro. Não imagino muitos locais (ou situações) onde isto possa ser demonstrado. Na prática, salvo em situações muito excepcionais, o uso de máscara na rua é opcional.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Dormir pouco prejudica a saúde?

Estudos recentes permitem afirmar que mais de 50 por cento dos estudantes dormem menos horas, por noite, que o necessário, o que tem um impacto negativo no sucesso escolar. Quem o afirma é a médica neurologista, Teresa Paiva, em entrevista ao jornal Público (14-08-2011).
Especialmente em época de férias é comum encontrarmos jovens que adoptam uma rotina de sono trocada em relação ao dia e à noite. Saem e divertem-se até de madrugada, deitam-se de manhã, dormem até meio da tarde e acordam já de noite para voltarem a deitar-se de madrugada. Mesmo em tempo de aulas, embora reduzam este ritmo, a tendência, para grande número de crianças e jovens portugueses, é para deitar tarde e levantar cedo e, portanto, dormir pouco. Tal prática pode ser muito prejudicial, alerta a médica. As crianças que dormem menos do que precisam têm um risco aumentado de hipertensão arterial, de diabetes, de insucesso escolar, de depressão e de insónia, explica, alertando para a gravidade da situação, dado tratar-se de “doenças crónicas que passam a constituir problemas para toda a vida”. Dormir menos do que se precisa “afecta a aquisição de conhecimentos, com enfase no raciocínio abstracto” e traduz-se em insucesso escolar, sobretudo em disciplinas como a Físico-Química e a Matemática, cujas classificações (nacionais) são tradicionalmente as mais baixas. Mesmo que os jovens que trocam o dia pela noite consigam dormir, o número de horas necessário, durante o dia, esse sono "não tem qualidade", afirma a neurologista. Estes adolescentes (e jovens adultos) dormem fora da fase biológica do sono, potenciando tendências para a depressão e para a obesidade, aumentando o risco de desenvolvimento de cancros (em idades mais avançadas). Está cientificamente provada a importância da luz natural na saúde, nota Teresa Paiva. Explicando o benefício de dormir de noite, lembra que “as primeiras células que existiram aprenderam a multiplicar-se de noite e não de dia”. “As hormonas que facilitam a divisão celular são, muitas delas, produzidas exclusivamente quando estamos a dormir “. É de noite que “ocorre o maior número de interacções entre os neurónios nas várias fases do sono". Não somos nem ratos nem morcegos, somos uma espécie evoluída que não foi feita para dormir (significativamente) durante o dia, nota a neurologista, referindo que “temos relógios biológicos que estabelecem tarefas diferentes para o organismo, conforme se trate da noite ou do dia”. É importante termos em conta que uma criança de dez anos deve dormir dez horas por noite (tanto mais quanto menor for a sua idade) e um adolescente e um jovem adulto devem dormir, em média, nove horas em cada 24. A médica alerta para o facto de, em Portugal, se trabalhar imensas horas (por vezes mais de 50), sendo que, pelo facto de os pais passarem tanto tempo fora de casa (e também devido aos longos horários escolares) as crianças e jovens passam demasiado tempo na escola, e para terem tempo para outras actividades (actividades extracurriculares, convívio com os amigos, brincadeira, etc.) “roubam” horas ao sono. Como consequência disto, a saúde mental da nossa população deteriora-se, logo desde a infância e adolescência. Chegada a idade adulta aumentam as doenças psiquiátricas e o consumo de tranquilizantes. O número de suicídios atinge (no nosso país) valores preocupantes (aproximando-se dos valores dos países de elevadas latitudes, como os nórdicos, que passam parte significativa do ano com poucas horas de luz e sofrem de depressões daí derivadas).
Conclui a médica que, as pessoas devem perceber que quanto mais horas trabalharem mais horas têm de dormir e mais horas devem praticar exercício físico, igualmente, mais equilibrada deve ser a alimentação.
Em resumo, trabalhar e estudar muito e dormir sistematicamente pouco e/ou a horas biologicamente inapropriadas pode a médio prazo ter consequências graves tanto ao nível da saúde física como mental.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Quais são as principais causas de morte?

Se colocarmos a questão a nível mundial, como muitos países não organizam estatísticas, os dados disponíveis sobre as principais causas de morte (resultam de estimativas feitas por países desenvolvidos ou organizações internacionais e) estão, provavelmente, longe da realidade, até porque algumas das doenças que mais matam nos países subdesenvolvidos estão particamente extintas ou são “facilmente” curáveis nos países desenvolvidos, pelo que, qualquer listagem das maiores causas de morte em países desenvolvidos é substancialmente diferente da listagem de um país subdesenvolvido. No entanto, parece consensual que, de longe, a principal causa de morte, a nível mundial, independentemente do grau de desenvolvimento dos países, é a interrupção da gravidez (vulgo aborto). De acordo com estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS), apesar de este acto ser proibido pelas leis, pela religião e pela cultura de muitos povos, em 2003 terão morrido, por esta via, cerca de 46 milhões de seres humanos (42 milhões dos quais, resultantes de interrupções induzidas por opção da mulher ou da família (os restantes 4 milhões procederam de causa natural e designam-se por interrupções involuntárias). Estes números são tão elevados que, apesar de ser comum em muitos países agruparem-se várias causas de morte (por doenças do mesmo órgão ou sistema), ainda assim, em vários deles, a interrupção da gravidez encabeça a lista. Habitualmente (essencialmente por razões políticas, mas não só) as listas das principais causas de morte excluem a interrupção da gravidez. Na tabela seguinte listam-se, de acordo com as estimativas da OMS, as dez principais causas de morte (dados referentes ao ano de 2008, actualizados em Junho de 2011)
Causa de Morte Número de vítimas
1 Doenças isquémicas do coração 7 250 000
2 Doenças cerebrovasculares 6 150 000
3 Infecções respiratórias 3 460 000
4 Doenças pulmonares obstrutivas crónicas 3 280 000
5 Diarreia 2 460 000
6 Sida 1 780 000
7 Cancro da traqueia, pulmões e brônquios 1 390 000
8 Tuberculose 1 340 000
9 Diabetes 1 260 000
10 Acidentes de viação 1 210 000
Mas, como disse acima, estes números (por serem estimativas e não contagens reais) além de pouco credíveis, são números mundiais e não reflectem a realidade dos países mais desenvolvidos, onde, por exemplo, as mortes por diarreia, tuberculose ou sida apresentam números menos significativos. Na tabela abaixo, apresento os dados nacionais (das dez principais causas de morte) referentes a 2009 (actualizados em Setembro de 2010) retirados do Instituto Nacional de Estatística e da Direcção-Geral de Saúde, que, contrariamente aos números da OMS, não são estimativas mas contagens reais baseadas nas certidões de óbito.
Causa de Morte Número de vítimas
1 Doenças do aparelho circulatório 33 472
2 Cancro (todos os tipos) 24 397
3 Interrupção da gravidez 19 848
4 Doenças do aparelho respiratório 12 202
5 Doenças do aparelho digestivo 4 639
6 Diabetes 4 603
7 Lesões, envenenamentos e actos de violência 4 409
8 Doenças do aparelho genito-urinário 3 064
9 Doenças infecciosas e parasitárias 1 701
10 Suicídios 1 025
Por vezes tem interesse sabermos que doenças, em concreto, fazem mais vítimas mortais e este agrupar de dados (por exemplo, doenças do aparelho respiratório) não ajuda ao esclarecimento. Acontece que, em Portugal não há outros dados (credíveis) disponíveis. Por isso, termino este (já longo) texto com os dados referentes aos Estados Unidos (também contagens reais) seguramente, em termos de peso relativo de cada doença, não muito diferentes dos nossos. A tabela apresenta as vinte causas mais letais, no ano de 2009. Os dados são dos Centers for Disease Control and Prevention.
Causa de Morte Número de vítimas % do total
1 Interrupções da gravidez 1 212 350* 33,3
2 Cancro da traqueia, pulmões e brônquios 158 105 4,3
3 Enfarte do miocárdio 135 361 3,7
4 Alzheimer 78 889 2,2
5 Diabetes 68 504 1,9
6 Arteriosclerose 64 072 1,8
7 Gripe e Pneumonia 53 582 1,5
8 Cancro do cólon e do recto 52 462 1,4
9 Insuficiência renal 43 263 1,2
10 Cancro da mama 41 115 1,1
11 Suicídio 36 547 1
12 Cancro do pâncreas 35 872 1
13 Septicemias 35 587 1
14 Envenenamentos 30 504 0,8
15 Cirrose e doenças crónicas do fígado 30 444 0,8
16 Cancro da próstata 28 154 0,8
17 Quedas 24 834 0,7
18 Leucemia 22 697 0,6
19 Parkinson 20 552 0,6
20 Linfomas 20 363 0,6
*Dados de 2008. Cerca de metade das vítimas eram filhos de mães não residentes em território dos Estados Unidos.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

O uso intensivo de telemóveis provoca cancro no cérebro?

Dada a (previsível) extensão do texto opto por satisfazer, desde já, a curiosidade dos leitores. A resposta à questão colocada no título é, não!
Um estudo levado a cabo nos Estados Unidos, em 2001 (publicado no New England Journal of Medicine) comparou 782 doentes com cancro cerebral, internados em hospitais dos EUA, com 799 doentes, também internados em hospitais norte-americanos, mas com outras doenças. Concluiu que não havia qualquer relação entre a utilização de telemóveis, durante pelo menos uma hora por dia, e o cancro cerebral. Em 2006 foi publicado (no Journal of the National Cancer Institute) um estudo dinamarquês que seguiu durante 13 anos, um grupo de mais de 420 mil pessoas que usavam telemóveis. Este estudo concluiu que não existe qualquer relação entre o uso de telemóveis e o cancro cerebral, quer em doentes com utilizações intensivas quer ocasionais.
Estes estudos, levados a cabo por especialistas em medicina são, do ponto de vista das ciências mais exactas (a Física e a Química) perfeitamente desnecessários. Conhecimentos adquiridos por alunos do 10.º e 11.º na disciplina de Física e Química A, permitem-lhes saber que as ondas electromagnéticas (vulgo radiação) emitidas pelos telemóveis não conseguem penetrar os ossos do crânio, sendo-lhes portanto impossível causar qualquer espécie de dano a qualquer célula contida no seu interior. Expliquemos (ou relembremos) um pouco mais em pormenor.

A frequência das ondas electromagnéticas emitidas pelos telemóveis varia, conforme as redes, entre os 0,85 GHz (oitocentos e cinquenta milhões de pulsos por segundo) e os 2,1 GHz (dois mil e cem milhões de pulsos por segundo). No espectro electromagnético, estas radiações situam-se entre as ondas de rádio (frequências inferiores a 1 GHz) e as microondas (frequências maiores que 1 GHz e menores que 300 GHz). Quando uma qualquer radiação encontra matéria no seu caminho de propagação, três coisas lhe acontecem, no entanto, conforme a frequência da radiação e a matéria que se opõe, normalmente apenas uma delas tem relevância mensurável: ser reflectida (a radiação embate nas partículas da matéria e não consegue penetrá-la, é o que acontece à luz visível quando se depara com uma parede de betão); transmitir-se (a radiação atravessa a matéria e segue o seu caminho, com um certo desvio na sua direcção, é o que acontece à luz visível quando atravessa um vidro transparente); ser absorvida (a radiação consegue penetrar parcialmente na matéria mas não a atravessa completamente pois é absorvida, é o que acontece à luz visível quando tenta penetrar nas profundezas do oceano, a água vai-a absorvendo aos poucos e se quando mergulhamos junto à superfície vemos o que nos rodeia, alguns metros mais abaixo deparamo-nos com a escuridão total).
As radiações de maior frequência, por serem constituídas por fotões mais energéticos e com menor comprimento de onda têm maior poder penetrante (é exemplo (extremo) disto a radiação gama). As de menor frequência, devido à pouca energia dos seus fotões e ao grande comprimento de onda que apresentam, reflectem-se quase na totalidade (são exemplo disto as ondas de rádio). A frequência das radiações usadas nos telemóveis, nas emissões de rádio e de televisão, ou nas comunicações por GPS, é relativamente baixa (consequentemente, estas radiações possuem um comprimento de onda relativamente grande) apresentando, portanto, muito fraco poder de penetração.
Quando uma radiação é absorvida pela matéria provoca nela um de três efeitos: aquecimento (também conhecido por efeito térmico - a energia absorvida provoca um aumento das vibrações das moléculas das substâncias); ionização (a energia absorvida remove um ou mais electrões de alguns átomos); reacção química (a energia absorvida quebra uma ou mais ligações entre os átomos, nas moléculas. Ora, a frequência mínima que uma radiação deve possuir para provocar a quebra da mais fraca das ligações químicas (intramoleculares) é de 387 GHz. A frequência mínima que uma radiação deve apresentar para arrancar um electrão (o que carece de menor energia) é de 942 GHz. Portanto, radiações com a frequência das usadas em comunicações (relembro que os telemóveis emitem radiação cuja frequência não ultrapassa 2,1 GHz) só podem causar efeito térmico. O funcionamento dos fornos de microondas é baseado neste efeito. Claro que se colocarmos um pedaço de carne dentro de um forno de microondas este vai aquecendo e atingindo uma temperatura de tal forma elevada que ocorrem reacções químicas nela (as reacções químicas também ocorrem por acção do calor) mas, um forno de microondas tem uma potência (normalmente) não inferior a 800 Watt, enquanto a potência de um telemóvel (usada para comunicar) é inferior a 2 Watt (nos de segunda geração e de cerca de 1 Watt nos 3G). É fácil verificarmos que, mesmo após uma conversa de vários minutos, a pele da orelha onde encostámos o telemóvel não sofreu um aquecimento significativo (uma investigação laboratorial refere um aumento inferior a 0,1 ºC, na temperatura exterior da pele após 15 minutos de conversação).
Em jeito de conclusão rápida sublinho que a radiação emitida pelos telemóveis ou pelos receptores de GPS não só não provoca cancro cerebral (para atravessar os ossos do crânio são necessárias radiações X, de muito alta frequência ou radiações gama) como não provoca sequer qualquer dano à pele, pois não dispõe de energia suficiente para provocar qualquer reacção química, menos ainda qualquer efeito ionizante. Acrescento, a propósito, que os alimentos cozinhados ou aquecidos em fornos de microondas, que usam radiação com a frequência de 2,45 GHz (pelas mesmas razões) não representam qualquer risco para a saúde.
Referências: Os estudos que menciono (no 2.º e 3.º parágrafo do texto) são citados no n.º 2 de “O Quebra Mitos”, boletim de notícias da ARSLVT, da autoria do Professor Doutor António Vaz Carneiro e num Artigo da Harvard Medical School.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Qual é a quantidade de água que devemos beber diariamente?

A resposta a esta pergunta pode parecer complexa, na verdade não o é. Mais de 60% da nossa massa corporal é água, tendo esta uma enorme importância para nós, aliás, tal como acontece com os demais seres vivos. Um estudo dos anos 30 (do século passado, obviamente) sugeria que o ser humano deve ingerir um mililitro de água por cada quilocaloria de energia contida nos alimentos que consome. Acontece que, o número de quilocalorias ingeridos diariamente varia muito de pessoa para pessoa e para a mesma, varia de dia para dia, além disso, o nosso organismo perde água (por ordem decrescente de quantidade) na urina, na respiração, na transpiração e nas fezes. A quantidade de cada uma destas perdas é também muito variável, consoante os alimentos ingeridos, o tipo e intensidade das nossas actividades, a temperatura e humidade do ar em nosso redor, etc.

Numa consulta rápida na Internet em busca de resposta para esta pergunta, conforme os sítios (e eliminando as respostas mais excêntricas), obtemos respostas que vão desde a necessidade de ingerimos cerca de 1,5 litros de água por dia até aos 3 litros. Algumas páginas recomendam-nos que tenhamos em conta a totalidade de água contida nos alimentos, mas esta não se apresenta uma tarefa fácil, pois a quantidade de água presente nos alimentos é muito variável, quando comparada com a massa destes; desde quase zero, numa margarina ou óleo vegetal até aos mais de 96% no pepino, 95% na alface, 94% no tomate e no agrião, passando pelos 87% nos citrinos e nos pêssegos, pelos cerca de 50% na carne de vaca, ou pelos 12% nas farinhas ou no arroz (crú).

Parece que a obtenção da resposta correcta à questão colocada no título nos vai envolver em cálculos complexos, afectados por significativa incerteza, no entanto, como escrevi logo na primeira linha deste texto, a resposta não é complexa. Quer na Internet, quer através de familiares e amigos, que por vezes citam os seus médicos, é habitual ouvirmos dizer que devemos ingerir, além da água contida nos alimentos, pelo menos mais dois litros diários, mas a resposta correcta à questão não é assim tão exacta. A ideia de que precisamos de beber pelo menos dois litros de água por dia é apenas mais um dos muitos mitos que circulam.

A água é uma das substâncias que são estritamente reguladas pelo nosso organismo e o seu metabolismo é simples, o organismo só aproveita aquela de que necessitamos. A quantidade de água no organismo é regulada por hormonas que garantem a manutenção de uma determinada densidade do sangue normal. Quando desidratamos esta densidade aumenta e o organismo perde temporariamente menos água, somos então, “de imediato”, acometidos pela sensação de sede, sendo este um alerta para a necessidade de ingerirmos líquidos nos minutos seguintes. Quando estamos bem hidratados não temos sede, o que significa que o organismo não necessita que ingeramos mais líquidos. Se o fizermos, urinamos mais, pois são os rins que controlam a quantidade de água que deve existir no organismo, através do aumento ou diminuição do volume de urina, e se estiverem a funcionar normalmente dispensam qualquer ajuda externa.

Forçar a ingestão de líquidos quando deles não necessitamos é, no mínimo, inútil e em certos casos perigoso, pois a partir de certo volume de água ingerida, os rins podem ter dificuldades em eliminar a supérflua, diminuindo a osmolalidade (número de moles de soluto por quilograma de solvente transferido por osmose) do sangue, ou mais correctamente, do plasma, o que pode ter consequências bastante graves (convém não esquecer que, tal como já escrevi aqui, o veneno não está na substância mas sim na dose e, mesmo substâncias aparentemente inócuas, como a água, quando ingeridas em quantidade excessivas são prejudiciais à saúde), devido à diminuição da concentração de certos sais.

Que quantidade de água se deve beber, então? A resposta é muito simples: devemos beber toda a água (ou outra bebida sem álcool) que nos apetecer, sempre que tivermos sede, até que esse “problema” esteja resolvido, nem mais, nem menos.

Referência: Artigo da Harvard Medical School.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

O café faz mal à saúde?

O café é uma bebida que se obtém fazendo passar água quente por sementes secas, torradas e moídas (processo que em Química se designa por “separação por solvente” ou “extracção”), a maioria das quais, de uma planta que se pensa ser originária da Abissínia e que foi posteriormente cultivada em todas as regiões tropicais, denominada cafeeiro. Trata-se de um arbusto de folhas persistentes que produz uns pequenos frutos carnudos, de cor roxa, púrpura ou amarela (conforme as espécies), contendo cada um deles duas sementes, envoltas (cada uma delas) numa casca semi-rígida, transparente, que protege o grão (verde) de café.
A bebida começou a ser consumida no mundo Árabe, por volta no século XII, tendo-se popularizado no Egipto e na Pérsia já em meados do século XV. Logo no início do Século XVI foi proibida em alguns países (por alegadamente ser prejudicial à saúde) tendo tal proibição levado a algumas revoltas populares. Foi nessa época que, primeiro, os Italianos e depois os portugueses, os espanhóis e os holandeses, a difundiram pela Europa e pelo mundo. Hoje, partilha com o chá, o título de bebida mais disseminada no mundo.
Actualmente o Brasil produz mais de um terço dos quase oito milhões de toneladas de café que se consomem no mundo. Os países nórdicos são os maiores consumidores per capita, sendo a Finlândia o maior consumidor mundial com cerca de 12 kg por ano, por pessoa, seguem-se: a Noruega, com 10 kg; a Islândia e a Dinamarca, com 9 kg. Apesar de o café se poder beber gelado (ou simplesmente frio, tal como o chá), os países mais quentes são mais modestos no consumo, por exemplo, cada brasileiro consome cerca de 5,5 kg de café por ano, e cada português cerca de 3,9 kg.
O café é uma mistura complexa de mais de mil substâncias químicas diferentes (nas quais se incluem: hidratos de carbono, proteínas, lípidos, sais minerais, vitaminas, outros compostos nitrogenados (além das proteínas), ácidos clorogénicos, alcalóides e polifenóis), com as mais variadas propriedades e todas (com excepção da água, que representa 99,4% da bebida) em quantidades muito pequenas. A mais abundante dessas substâncias é a cafeína. Uma chávena de café (conforme a dimensão da mesma, o tipo de café e o modo de preparação) contém entre 60 e 150 mg de cafeína, sendo habitualmente considerado o valor médio de 100 mg por cada “bica”.
A ideia de que o café é prejudicial à saúde é um dos mitos mais difundidos na nossa sociedade (mesmo entre a classe médica). De facto, durante várias décadas, o balanço entre os malefícios e os benefícios (principalmente) da cafeína foram alvo de disputa na comunidade científica. Hoje, sabemos (tal como já tinha referido Paracelsus há quase quinhentos anos) que o “veneno não está na substância, está na dose”, isto é, qualquer substância pode ser benéfica ou maléfica consoante a quantidade (e a frequência com que) ingerimos. Múltiplos estudos, dos quais resultaram mais de 30 mil publicações em revistas científicas, permitem-nos concluir que o consumo de 3 a 6 chávenas de café por dia é benéfico na prevenção: da Diabetes (principalmente a de tipo 2); da doença de Parkinson; da doença de Alzheimer; e de doenças do fígado, como o carcinoma hepatocelular (vulgo cancro do fígado), a cirrose alcoólica e a fibrose. Associados ao consumo do café, dada a sua acção estimulante do Sistema Nervoso Central, estão também: o aumento da atenção, da concentração e da rapidez de reflexos, e a redução da tendência depressiva causada pelo consumo de opiáceos, nicotina ou álcool. São também reconhecidos os efeitos redutores da fadiga muscular, do café.
Como possíveis "malefícios" associados ao café, mais concretamente ao consumo de doses diárias elevadas de cafeína [substância que se encontra em muitos alimentos, principalmente: no café, nalguns chás (nomeadamente o preto, o branco e o verde), no cacau, no guaraná, na Coca-Cola (e similares) e na maioria das “bebidas energéticas”] está a dependência desta, que se pode manifestar, na sua ausência, por sonolência, dificuldade de concentração e dores de cabeça. Em pessoas não habituadas ao consumo de cafeína, a sua ingestão pode provocar, ou aumentar, a intensidade e/ou a frequência de arritmias, bem como uma elevação da pressão arterial (vulgo “tensão”), sintomas que desaparecem ao fim de alguns dias de toma. É totalmente contra-indicado o consumo de café e de outras bebidas fortemente ácidas a doentes com úlceras de estômago. É aconselhada a redução ou suspensão do consumo de café durante a gravidez e o aleitamento pois doses de cafeína relativamente baixas (e portanto benéficas) para o adulto podem ser bastante altas (e portanto prejudiciais) para os bebés. Também nas crianças, o consumo de cafeína deve ser muito comedido.
Não há qualquer estudo científico credível que aponte o café como causa ou agravamento de qualquer patologia cardiovascular.
Em jeito de conclusão, podemos dizer que, pesando os prós e os contras, o café (bebido com moderação), contrariamente ao que muita gente pensa, é uma bebida recomendável à generalidade da população adulta.
Referências: N.º 0 de “O Quebra Mitos”, boletim de notícias da ARSLVT, da autoria do Professor Doutor António Vaz Carneiro, Director do Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência, da FMUL; Entrevista do Farmacêutico e Professor Universitário, Mestre António Hipólito de Aguiar, ao boletim “Café e Saúde”; Entrevista do Professor Doutor João Gorjão Clara, Chefe de Serviço de Medicina Interna e Consultor de Cardiologia do Hospital Polido Valente; Artigo da Harvard Medical School.